Com baixas temperaturas, região se prepara para acolher pessoas em situação de rua

Mesmo com trabalho das assistências sociais, municípios ainda enfrentam dificuldades na implantação de programas

Magno Lúcio da Silva e companheiros das ruas preparam comida na praça central de Lorena; pretendem deixar a região (Foto: Francisco Assis)

Jessica Alves
RMVale

Às 11h58 desta quarta-feira (21) teve início o inverno de 2023, e com ele aumenta a preocupação com uma séria causa social, a assistência a pessoas em situação de rua.

As temperaturas baixam e o crescimento do movimento turístico e gastronômico não é o único efeito. Frente a um cenário de forte fragilização dessa parcela de moradores, algumas cidades da região vêm realizando patrulhas de acolhimento e amparo, mas nem todas as medidas adotadas funcionam corretamente. Em locais como calçadas, praças, rodoviárias, ainda é possível ver pessoas que tentam se abrigar, os “sem teto”, enfrentando diariamente o frio.

Uma série de ações tentam reduzir o impacto gelado das noites de inverno.

Em Cruzeiro, a AAP (Associação Amando o Próximo), instituição sem fins lucrativos que trabalha com o resgate de pessoas em situação de rua, atua em parceria com a secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social para abordar e acolher pessoas em situação de rua na Casa de Passagem. Lá, elas são incentivadas a desenvolver autonomia e se reinserir na sociedade.

Com sede em Cruzeiro, a AAP atua também em outras cidades da região, como Lorena, onde participa de buscas ativas e acolhimento junto à secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, beneficiando 95 pessoas em situação de rua.

Além da busca ativa, outra iniciativa é a ronda noturna, com abordagem às pessoas durante a noite, período em que as temperaturas se encontram mais baixas, oferecendo acolhimento e orientações. Uma das cidades que realiza a ação é Pindamonhangaba, onde em média de 85 abordagens noturnas são realizadas, direcionando quem necessita ao Albergue Municipal, fornecendo passagens de ônibus, para os que são de outras cidades, e internações.

Em Guaratinguetá, os moradores recebem, além de sacos de dormir, roupas de frio, cobertores, transporte até centros de acolhimento, orientações, alimentação, passagens e moradia emergencial no Centro de Assistência Social.

Por mais que muitas ações sejam implantadas, uma das maiores dificuldades encontradas pelas equipes é em relação à população itinerante. A secretária de Assistência Social de Cachoeira Paulista, Alexandra Pereira da Silva, revelou que muitas pessoas não se enquadram como “situação de rua”, pois “perambulam pela cidade durante o dia, mas vão para casa à noite”. Em média, de 6 a 10 pessoas itinerantes passam pelo município.

“Eles podem permanecer no albergue por até três dias e após esses três dias eles precisam continuar na estrada. […] Eles são itinerantes, então passam pela cidade porque estão indo para outro local,” ressaltou a secretária.

Atualmente, Cachoeira não realiza nenhum trabalho pontual de acolhimento, mas tem um projeto contínuo de arrecadação e distribuição de roupas. Segundo Alexandra, os moradores em vulnerabilidade já conhecem o trabalho de apoio e procuram ajuda.

Com a Matriz às costas, Fernando e Marconi deixaram as ruas e projetam abrir pequeno negócio ou mudança de cidade (Foto: Francisco Assis)

Entre os serviços oferecidos pelo Município, está a compra de passagem para cidades próximas (Lorena e Cruzeiro), ou encaminhamento ao Cras (Centro de Referência de Assistência Social) que permite, em casos especiais, que sejam adquiridas passagens às cidades de origem destas pessoas. “Oferecemos (passagens) para algumas cidades. Se eles precisam de algum serviço referenciado, precisam ir especificamente para Taubaté ou São José, se, por acaso, quiserem voltar para casa do familiar, dependendo da cidade, temos passagem até São Paulo. Lá eles procuram o Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua) ou CREAS (Centro de Referência de Assistência Social), aí eles vão sendo direcionados de cidade em cidade até chegar onde eles desejam retornar” contou Alexandra.

A falta de encaminhamento direto e ágil torna possível que, no caminho de volta para casa, essas pessoas se estabeleçam novamente nas ruas, mas em cidades diferentes. A secretária ressaltou que as passagens só são fornecidas em casos específicos, por isso essas pessoas se deparam com duas opções: buscar destino por si mesmo ou continuar andando até encontrarem abrigo em outro município.

“Eles chegam na informação muito mais fácil do que a gente pensa, porque eles vivem essa situação. Eles estão na rua por uma questão de escolha, na grande maioria das vezes têm família. 90% deles recebem o Bolsa Família, mas é por opção que eles vivem na rua” destacou a secretária.

Nas ruas, as histórias são múltiplas. É o caso de Magno Lúcio da Silva, de 47 anos, que passa as noites nas calçadas de Lorena. Abordado pela reportagem do Jornal Atos na Praça Dr. Arnolfo de Azevedo, principal espaço público da cidade, ele disse que o poder público não oferece ajuda adequada e, por ser cadeirante, tem dificuldades. “Eu fiquei um pouquinho em São José, mas gosto de ficar andando. Esses dias a GCM (Guarda Civil Municipal) tocou a gente daqui (praça) e disse que tá (sic.) sujando a cidade deles”, comentou.

Enquanto conversava com a equipe de reportagem, Magno preparava, na companhia de dois outros homens, sua refeição em um fogão improvisado com duas lajotas e uma leiteira, onde pedaços de frango ferviam.

No frio pré inverno, ele vestia um moletom, bermuda jeans e pisa no chão descalço. Em sua cadeira de rodas enferrujada e com peças faltando, Magno acredita que os moradores das casas ajudam mais do que as prefeituras”.

Já em frente à Igreja Matriz e à Câmara Municipal da cidade, outros dois homens, vestidos com jaquetas militares e bermudas jeans, Fernando Sampaio, 53 anos, e Marconi de Oliveira (que logo comemora seus 67 anos), têm outra visão.

Eles são de São Paulo e Medeiros Neto-BA, respectivamente, e deixaram as ruas recentemente. Alugaram um quarto, mas não querem seguir em Lorena. “O próximo destino dos dois é Palmas-TO”, contou Sampaio.

Antes acolhidos pela Associação Amando o Próximo, onde se conheceram, ele revelou que foram tratados no local, mas não permaneceram devido às regras. “Eu estava procurando um benefício do INSS, mas em São Paulo são milhões de pessoas, então me falaram ‘vai lá pro Vale, que lá você consegue’. Aqui conheci esse velhinho (Oliveira), e ele não gosta de regras. Eu falei: vou apoiar ele, vou ficar com ele, porque foi a missão que Deus me deu”.

Fernando já passou por várias cidades da região, como Guaratinguetá, Aparecida e Cruzeiro. Hoje, pretende instalar um carrinho de hot dog na praça da Matriz de Lorena, mas se a ideia não der certo, vão mesmo deixar a cidade. “Se não der, meu caminho é Palmas. Eu tenho uma namorada lá”, contou, mostrando uma foto da pretendente para a reportagem.

Mesmo longe de casa, Fernando Sampaio mantém contato com a família e conta que gosta da vida que tem e que não pretende voltar a morar com seus familiares: “Eu fui assim a vida inteira. Sempre gostei de conhecer o Brasil. Antes eu tinha condições, era só voo, hoje é na dependência dos outros […] Eu quero viver minha vida, meus filhos já estão criados”.

Se despedindo da equipe do Atos, Fernando relatou. “É que a vida às vezes dá um reverso na pessoa, mas depois você tem que dar um reverso na vida”.

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