Lobão revisita o rock dos anos 80 em Guará
Cantor não poupa críticas às barreiras do cenário musical, e conta como fez as pazes com oitentistas do rock

Da Redação
Guaratinguetá
O cantor Lobão volta à região neste sábado, com show no espaço de eventos da Sabap (Sociedade Amigos do Bairro Pedregulho). Ele apresenta um repertório diferenciado, com o projeto “Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 Pelo Rock”, um complemento do livro “Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock”, em que Lobão reavaliou o cenário da década de ouro do rock nacional.
Lobão – Para mim foi muito importante porque eu tive que refazer uma série de opiniões formadas, um preconceito. A partir do oitavo capítulo, tive que reescrever e comecei tudo de novo. Comecei ter um afeto, um carinho muito grande com coisas que eu sempre desprezei. Fazendo a resenha dos discos, observando as canções, coisa que eu nunca tinha ouvido, eu comecei ficar bem emocionado, não só com as músicas dos meus amigos próximos como Júlio, Evandro, Cazuza, como também de bandas que eu já falei mal como os Engenheiros do Havaí e os Paralamas. Realmente fiquei muito emocionado. Por esse trabalho vir com uma carga emocional tão grande, achei que a continuação lógica dele deveria ser um disco. Eu coloquei muito claro no livro que uma das razões pra gente não ter conseguido se assentar mais na música popular brasileira foi a péssima produção da época. Aí eu pensei: se eu pudesse fazer agora um disco com uma qualidade excepcional, com o máximo que eu pudesse dar, uma produção inspirada, gravação, som, tudo, eu poderia me fazer entender melhor e fazer uma espécie de declaração de amor.
Atos – O que te chamou atenção nessas bandas que te surpreenderam?
Lobão – As canções são muito boas. Às vezes você tem uma execução não muito boa, musical, gravação. Todos os nossos discos eram muito mal programados, é horrível ouvir pela péssima qualidade de gravação, mas em contrapartida, esses trinta anos que nos separam dos anos 80, eles decantaram muito a qualidade das músicas e foram se sobressaindo. A gente percebe clássicos da música popular brasileira feitos daquele período curto da MPB, em que mais se produziu músicas excelentes, canções muito bem feitas em toda a história, e feitas por uma rapaziada que não era exatamente aprovada por esse status quo do que se considera a cultura brasileira. E tudo isso, depois desses trinta anos, agigantou a qualidade desse repertório.

Atos – Esse período foi como uma “contra cultura à cultura” da época?
Lobão – É, uma coisa que todo mundo falava, que o rock nunca vai ser um “mainstream”, o rock não pode, eram contra uma guitarra elétrica, foram sempre muito contra o rock. Então foi muito surpreendente, porque a Jovem Guarda ficou num setor sub-cultural, e o rock, as músicas dessa época são espetaculares. Temos uma série de músicas de grandes qualidades, e eu na medida do possível consegui juntar, fazer 25 músicas, um disco duplo, mas com certeza tem muito mais músicas desse gabarito que foram gravadas nesse projeto.
Atos – O que mudou nas letras, nas composições de lá pra cá?
Lobão – O Brasil vive um presente contínuo. Como disse no livro, nós temos um totalitarismo cultural que abomina a estética do que é e o que não é brasileiro. Justamente a sigla MPB é a cereja do bolo cultural, e quem domina isso são alguns “coronéis” como Gil, Chico, Roberto Carlos, que estão aí há 50, 60 anos e que ditam quem vai entrar e quem não vai, ditam quem é a bola da vez e quem não é, porque foram pessoas que “falharam” com muita gente nesta época. Que nesse sentido não ficaram dentro desse pacote, né? E você vê que é o único período desde que eles começaram que meio que tiveram uma participação meio que coadjuvante. Eles ficaram mais para trás, e logo em seguida se armaram pra voltar com toda força nos anos 90, com Tropicália 2, e depois veio a Marisa Monte pra subscrever toda a MPB, inclusive puxando uns artistas do rock para a MPB. Então isso tudo é relatado e mostra o trabalho, o curto período preponderante da MPB que foi o rock nos anos 80 e mostrando que a gente está neste presente contínuo. Mesmo nos anos 90 tivemos coisas muito boas, mas já rendidos a esse coronelato, como o Chico Science, Raimundos, Planet Hemp, Cassia Eller, que é uma das maiores cantoras e pô, morreu todo mundo né? Mas teve coisa boa acontecendo nos anos 90. Nos anos 2000 tivemos uma safra excepcional de bandas, de 2003 a 2008, tipo o Cascadura, o BNegão & Seletores de Frequência, Cachorro Grande, Canastra, um monte desses grandes artistas que vieram aí. Mas aí começou essa politização na parte da música, aquela coisa da Lei Rouanet, aquele Fora do Eixo (rede de coletivos culturais) que acabou minando toda a música independente e ideologizando o segmento, que meio que evaporou e acabou indo mais para o tecno brega do Pará, o rap e o funk, né? Então ficou o rock, meio que foi passado a cara dura mesmo, por ser uma coisa ideológica a ser batido.
Atos – Em meio a tudo isso, você acredita que o rock nacional vai um dia voltar a ter esse papel de contestação? Tem alguém que faz isso hoje?
Lobão – Tem muita gente fazendo coisa boa. Eu mesmo estou na minha melhor fase. No ano passado, fiz meu melhor disco, o Em Busca do Rigor e da Misericórdia, assim como o Sepultura acabou de fazer seu melhor disco, como apontou a crítica internacional. O problema é que não temos espaço, porque os anticorpos já foram produzidos para manter esse grupo hoje aí. Agora, talvez com esse desgaste político que a esquerda tem sofrido, possamos ter mais coragem na produção e divulgação, porque se não tiver coragem, você não faz rock e desafia o status quo que mantém Anitta, Pablo Vittar e coisas assim. O livro vendeu muito bem, o disco está sendo bem procurado. Agora com esse projeto, estamos fazendo um link com bandas independentes, com esse aplicativo para dar chances as bandas e dar um sacode no cenário. (…)
Atos – No show você faz releituras de canções que marcaram como Geração Coca-Cola, da Legião Urbana, e Vítima de Amor, da Blitz. Como você tem feito essa visita a essas canções?
Lobão – Só consigo tocar essas músicas se elas se tornarem minhas, se eu estiver cantando como se eu tivesse composto elas. Por isso essas canções foram escolhidas. É um show autoral, com arranjos, produção, todas modernas, com rock contemporâneo aproximando essas músicas ao meu trabalho, respeitando a estrutura dessas músicas que poderiam ter sido feitas hoje, pois são bem mais modernas e atuais do que a produção dos últimos dez ou vinte anos. Não é um ato de nostalgia, pois são canções totalmente modernas e atuais, com uma nova roupagem.
Entrevista e texto: Francisco Assis
Edição de Áudio: Edinho César