Cruzeiro tem 9 de Julho de homenagens e luta pela memória
Principal palco da Revolução Constitucionalista, cidade mantém vestígios do conflito na fronteira do estado
Francisco Assis
Da Região
A semana do dia 9 de julho sempre traz lembranças de um passado marcado pela revolta, que colocou soldados paulistas no campo de batalha contra tropas do então presidente Getúlio Vargas. Cruzeiro, principal foco do conflito, mantém os vestígios da Revolução Constitucionalista de 1932, que perdeu seu último representante na região neste ano, com a morte de Nelson de Paula Mendes.
O trabalho para manter a memória da região sobre os passos dos militares que defenderam o estado é hoje feito por pessoas como o historiador Carlos Felipe do Nascimento. Formado na FIC (Faculdades Integradas de Cruzeiro) e com pós-graduação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o professor de 37 anos participa e promove eventos para discutir e relembrar o conflito, que tomou pontos estratégicos da região, como as fronteiras com os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Além de Cruzeiro, Carlos passa por outras cidades como Cachoeira Paulista e Lavrinhas. “Ultimamente está muito difícil trabalhar com essa história em Cruzeiro. Algumas pessoas deturpam a história a favor deles, há quem vive em áreas onde aconteceram as batalhas e não gostam que se trate do tema. Minhas pesquisas são voltadas à divulgação da Revolução no Vale, mas hoje, parece que Cachoeira dá mais valor que Cruzeiro”, lamentou o professor, que iniciou as pesquisas há 16 anos, durante um trabalho de conclusão de curso que abordou a Revolução de 32.
Além dos eventos, Carlos mantém as páginas no Facebook “Vila da Nossa Senhora da Conceição do Cruzeiro” e “Os quatro cavaleiros da Revolução”, para divulgar a história com postagens de fotos do período e notícias sobre os ex-combatentes.
Para o professor, a Revolução de 32 foi o principal conflito da história brasileira. “A história da revolução está ligada à Primeira Guerra, quando alguns espólios foram trazidos e utilizadas na Revolução de 32, como o lança-chamas.
“Essa foi uma guerra que fez brasileiro lutar contra brasileiro, paulistas contra todo país. A falta de informação fez até mesmo que muitas famílias lutassem entre si”, contou.
O historiador lembrou ainda que a revolução traz contradições regionais até hoje, como a ideia de que os paulistas comemoram uma guerra perdida e que a intenção dos revolucionários da época era transformar São Paulo em um país independente. “Isso não é verdade. Os paulistas perderam a batalha, mas comemoram a criação da Constituição, após a Revolução”, garantiu Carlos.
Cruzeiro preparou, como boa parte das cidades paulistas, homenagens à memória de quem defendeu São Paulo. Para manter a história viva em Cruzeiro, o professor perdeu o último aliado que havia participado das batalhas, há 83 anos. O cachoeirense Nelson de Paula Mendes faleceu no último dia 4 de maio, aos 102 anos.
Nelson tinha apenas vinte anos quando participou do conflito como soldado voluntário em Queluz, Piquete e Cruzeiro. Foi na cidade que ele fez parte do agrupamento que lutou nas batalhas do Túnel da Mantiqueira, local estratégico na Revolução Constitucionalista, onde, até hoje, é possível encontrar sinais da guerra, como as valas utilizadas como trincheiras pelos paulistas.
Nelson, que chegou a sub-tenente da Polícia Militar, ficou na corporação até 1959. Ele teve seis filhos e quatro netos. Em 1989, foi condecorado pelo governador Orestes Quércia, com a medalha Valor Militar. Outras homenagens foram feitas pelo estado ao ex-combatente, entre elas, a feita pela Prefeitura de Cruzeiro, em 2014.
Uma das filhas de Nelson, Vera Lucia Giupponi contou que o pai falava sobre o período, com passagens que ficaram na memória de quem pode ouvi-las do tenente. “Uma vez, ele vinha embora, em um trem, com outros soldados e muitos estudantes de medicina. De repente o trem foi metralhado e muita gente morreu. Meu pai conseguiu sobreviver porque se atirou no assoalho, mas naquele dia, ele perdeu um grande amigo, que não recordo o nome. Muita gente morreu neste ataque. Isso, porque a revolução já havia acabado”.
A triste história do ataque ao trem é apenas uma, das várias contadas por quem fez parte da luta, comemorada a cada dia 9 de julho. A data, feriado em São Paulo, faz parte da vida de quem no presente se orgulha de relembrar dos que defenderam o passado. “Ter ele como pai era um presente, uma pessoa generosa demais. Já ter um personagem com ele na família, que passou por tudo isso, é uma honra muito grande, que nos faz muito bem”.
Anos de chumbo – Em 2015, a revolução completa 83 anos. O conflito teve início após o rompimento do presidente Washington Luiz com a política “Café com Leite”, que mantinha o eixo São Paulo-Minas Gerais, em revezamento no governo. Júlio Prestes, paulista eleito que substituiria o presidente, cai após operação que leva Getúlio Vargas ao poder.
Uma das primeiras ações de Vargas, o governo brasileiro anulou a Constituição Federal e tira do poder governadores de diversos estados, nomeando interventores, o que revoltou os paulistas, que cobram o restabelecimento do sistema político.
Com uma situação de submissão política ao governo federal, as manifestações aumentam em São Paulo, até que em 1932, um protesto acabou na morte de quatro jovens: Martins, Miragaia, Dráuzio e Cardoso, que deu origem ao termo MMDC, marco para a revolução, iniciada em 9 de julho de 1932.
O conflito durou três meses, com a morte de mais de mil pessoas e acabou com a derrota paulista. Apesar do resultado no campo de batalha, o estado comemora o reflexo político, já que a revolução deu origem a uma nova constituição, estabelecida dois anos depois em 1934.
Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.