Terceirização da saúde envolve denúncias de coação e falta de transparência em Cachoeira
Empresa contratada segue como mistério para pacientes e demitidos; funcionários denunciam pressão por pedidos de demissão voluntária, mas prefeito garante que medida foi “ato de bondade”
Jéssica Dias
Francisco Assis
Cachoeira Paulista
Com uma Santa Casa sob intervenção há duas décadas e que segue com setores fechados por falta de estrutura (há promessas de retomada da maternidade em 2018), a cidade não consegue manter um atendimento eficaz e recorre a municípios vizinhos, como Lorena.Com o governo de Edson Mota (PR), que assumiu em janeiro com a promessa de recuperar a saúde, os moradores aguardaram uma ação rápida no setor.
Mas depois de nove meses e 16 dias, a administração municipal anunciou aos funcionários que o atendimento passará a cargo de uma empresa. A informação surpreendeu, com susto reforçado pelo sistema de mudanças implantado. Funcionários da rede pública que estavam registrados pela Santa Casa (a prática teria sido implantada há mais de uma década na cidade) teriam que pedir demissão.
Somente quem aceitasse a ordem seria recontratado pela nova empresa.“Numa reunião na Santa Casa, um homem chamado Júlio (Cezar Medeiros Silva, chefe de Gabinete) avisou a gente que naquele dia estávamos sendo desligados da Prefeitura, porque eles não podiam mais manter funcionários da ESF. Disse que era contra a lei, então que a partir daquele dia, de qualquer forma, a gente estava demitido e não trabalhava, porque nós somos contratados pela Santa Casa”, contou uma funcionária de posto de atendimento da rede pública, que pediu para não ser identificada. Ela foi dispensada durante a semana, após não aceitar se demitir em troca de uma possível contratação da nova empresa.A informação da ex-funcionária da saúde se baseia em critério utilizado pelo prefeito para explicar a mudança. Segundo ela, os ainda contratados foram informados na terça-feira de que era impossível a realização de um concurso público. “Não poderia porque o índice de contratação da Prefeitura teria ultrapassado o limite que era 54%, eles estão com 58%. Mas é estranho, porque estávamos pela Santa Casa e não pela Prefeitura”, questionou.
“Eles queriam que fizéssemos a próprio punho o pedido de demissão e deixasse lá, aí eu questionei. Por que, como vou pedir demissão e começar a trabalhar em uma empresa que não conheço, não sei quanto vou ganhar, não sei nada? Não vou assinar minha demissão, perder todos os meus direitos, os anos trabalhando na Prefeitura” .
Após protestos contra a medida nas redes sociais, a secretaria de Saúde, Tais Lemos Ribeiro, teria ido até os funcionários para apresentar as normas. “Ela foi nos postos pedindo pra gente desconsiderar o que o Júlio falou e que ele não soube se colocar, se expressar. Mas eles querem contratar a gente como prestadores de serviço. A gente teria que abrir uma MEI (Micro Empreendedor Individual) para se prestar serviço pra eles. Mas aí a gente perde direito do décimo terceiro, férias, até mesmo o direito de dar atestado. Só ganha o dia trabalhado”, destacou a funcionária.
“Quando assumi, a Santa Casa estava enrolada até o nabo (sic), folha de pagamento atrasada, tudo errado. As coisas tudo atrapalhado, inclusive mais de trezentos funcionários, e todos dos programas da Prefeitura estavam lá, e isso não pode, é errado, só que os outros prefeitos usavam como cabide de emprego”, acusou.
“Essas pessoas estão lá, alocadas na Santa Casa, mas para desempenhar projetos da Prefeitura. Tinha que fazer um concurso público e contratar eles pela Prefeitura, aí ia todo mundo embora, não tinha outro caminho. Estou com os gastos do pessoal muito alto, o máximo é 54% e eu já estou com 60%, e eu estou fazendo um maior malabarismo pra poder derrubar e tirar o gasto. O segundo plano que eu tinha era fazer uma licitação pública, e é isso que foi feito. A empresa vem administrar pra você, ela faz uma nota fiscal, você paga ela e administra todos os programas”, argumentou.
A reportagem do Jornal Atos conseguiu junto à Prefeitura o nome da empresa contratada. O Instituto de Saúde Educação e Comércio, de Suzano, assumirá os serviços. Mas a busca do Atos por informações da empresa caíram por terra.
Com o CNPJ da terceirizada e um possível telefone de contato, a reportagem não conseguiu contatar o Instituto. Não foram encontradas páginas oficiais e nenhuma ligação foi atendida.
A pesquisa chegou ao endereço rua Vinte e Sete de Outubro, nº 357, sala 4, no Centro de Suzano-SP, e a um possível contrato com a Prefeitura de Embú das Artes, que não soube informar sobre o Instituto. “É uma empresa boa, idônea. Foi uma licitação muito transparente, publicada em todos os diários oficiais, levou muito tempo para regularizar, com dotação aprovada na Câmara Municipal, tudo certinho”, garantiu Mota, que assinou o contrato com a terceirizada na última semana.
Para o prefeito, os funcionários que temem perder os direitos estão enganados e deveriam “agradecer” pela bondade do chefe do Executivo em negociar com sua contratada. “Quando a empresa assina o contrato, o certo é mandar todos embora, fazer um processo seletivo e contratar novos funcionários para tocar dali pra frente. Aí vem de novo o meu papel, eu como eu grande ser humano, uma boa pessoa, fui e agradei a pessoa para que pegasse aquele pessoal que está lá. Então quanto mais eles estão falando, eles estão se prejudicando muito mais”.
O sindicato dos Empregados da Saúde da região foi procurado pela reportagem do Jornal Atos para comentar a terceirização da saúde em Cachoeira Paulista, mas não foi encontrado até o fechamento desta edição.