Dias de medo: casos pelo país e aumento das fake news levam terror ao dia a dia de alunos, profissionais e famílias da região

Professores acreditam que só segurança não garante fim de ataques às escolas; Estado e municípios anunciam contratação de psicólogos e empresas de segurança

Guarda Municipal de Lorena em ação de reforço nas escolas (Foto: Reprodução PML)

Andréa Moroni
Fabiana Cugolo
RMVale

A série de ataques a escolas no Brasil e a epidemia de fake news sobre os atos criminosos têm gerado uma onda de terror ao dia a dia de crianças e adolescentes, profissionais da educação e famílias da região. Enquanto prefeituras, estados e o Governo Federal buscam soluções para o problema, o medo é um obstáculo a ser vencido por quem precisa frequentar os ambientes educacionais.

Nas últimas semanas, as ocorrências têm-se multiplicado. No dia 27 de março, um estudante de 13 anos usou uma faca para atacar docentes e estudantes, no ABC, na Grande São Paulo. No dia 5 de abril, em Blumenau, Santa Catarina, um homem invadiu uma creche matou quatro crianças e feriu outras quatro. Nesta semana, na segunda-feira (10), um estudante de Manaus-AM invadiu um colégio com uma faca e três coquetéis molotov (agente incendiário caseiro). Na terça-feira (11), o aluno de um colégio, em Santa Tereza de Goiás-GO, usou uma faca para ferir três estudantes. No mesmo dia, à noite, a polícia do Rio Grande do Sul apreendeu, em Maquiné-RS, um adolescente que planejava um atentado contra sua escola. De acordo com os investigadores, ele fazia parte de grupos online que fomentam esse tipo de ato. Já na quarta-feira (12), um estudante de 14 anos atacou e feriu duas alunas de nove anos na escola de Farias de Brito, no Ceará.

Com tantos casos se espalhando por todas as regiões, os governos estaduais e municipais tiveram que se adaptar a uma nova realidade onde a insegurança está reinando. Na linha de frente estão os professores, que diariamente enfrentam os desafios de ensinar e tentar manter a rotina dento das salas de aula.

Para a professora Paloma Fogue, que dá aulas na educação infantil com uma turma de maternal multisseriado e no ensino fundamental, na rede municipal de Guaratinguetá, os atentados geraram pânico na população, especialmente nas famílias. “Em relação às crianças, não houve grandes mudanças. Elas não têm discernimento e maturidade para compreender os últimos eventos e nós, profissionais da educação, nos preocupamos em manter o ambiente escolar equilibrado”. Paloma lembra, no entanto, que muitos pais ou responsáveis estão deixando de levar seus filhos à escola. “É necessário lembrar que, em decorrência da pandemia do Covid-19, as crianças enfrentam uma grande defasagem na aprendizagem. Retirar as crianças da escola, neste momento, apenas aumentará os prejuízos já enfrentados”.

Para o professor de Ciências do ensino fundamental em Guaratinguetá (6º ao 9º ano), Guto Azevedo, apesar da comoção inicial depois do ataque de Blumenau-SC, a rotina não mudou muito na escola onde ensina. “Onde trabalho a maioria dos alunos chega em transporte público, juntos, portanto, o que já garante uma logística de entrada e saída rápida. Dentro das escolas os alunos têm segurança, ficam nas salas ou pátios sempre acompanhados. Mas não acredito que ter uma vigilância policial ou civil dentro das escolas garanta que não ocorra um ataque. Precisamos é pensar nas ações que devemos ter, como um protocolo mesmo, caso haja uma invasão ou mesmo um aluno provoque esse tipo de crime”.

Prefeituras aumentam rondas escolares e reforçam seguranças após ataques e ameaças (Foto: Reprodução)

Trabalhando nas redes estadual e particular de Lorena, Patrícia Bustamante, que ensina arte, contou que professores e alunos estão sendo bombardeados com informações sobre ataques às escolas. “O mais difícil disto tudo é separar o que é real do que é criado somente para causar confusão e baderna. Além do medo que estamos vivendo, ainda temos que confortar e orientar nossos alunos e comunidade”. A educadora ressalta que os cuidados com a segurança foram redobrados na entrada e saída dos alunos. “Independentemente do seguimento em que trabalhamos (escola pública ou privada), o medo nos ronda. Sabemos que a pessoa com desvio de comportamento é capaz de burlar qualquer segurança que se aplique”.

Famílias – Já quem tem filhos ou netos nas unidades escolares, os relatos são de tranquilidade somente quando os alunos voltam para casa. A auxiliar administrativa Edmara Aparecida dos Santos Alves, de 36 anos, destacou que não tem levado o filho de cinco anos para a escola, no bairro Jardim Aeroporto, desde o retorno do feriado prolongado da Páscoa, e que deve deixá-lo em casa até o fim desta semana. “Infelizmente nós pais estamos passando por uma situação muito difícil. A gente não sabe se é verdade ou não, se é fake news, e acaba que ficamos com medo”, salientou.

Poder Público – Prefeituras da região ampliaram a segurança e o policiamento nas áreas próximas às escolas. Maior presença das guardas municipais, Polícia Militar e o monitoramento por câmeras são as principais ações anunciadas. Cidades como Cruzeiro e Caraguatatuba estão instalando botões de pânico nas unidades escolares. Também foram estabelecidas normas para a entrada e saída dos alunos.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciou na quinta-feira (13) a contratação de 550 psicólogos e empresas de segurança privada para atuar nas escolas estaduais. Segundo o governador, os agentes vão trabalhar nas unidades desarmados. Também será criada uma linha direta entre as escolas e a Polícia Militar. As medidas fazem parte de um pacote de ações para ampliar a segurança da comunidade escolar em todo o estado. O investimento é de R$ 240 milhões.

O Governo Federal anunciou um edital que permite a estados e municípios apresentarem projetos para o fortalecimento do Programa Nacional de Segurança Pública nas Escolas. A proposta prevê R$ 150 milhões em medidas de reforço à segurança, como patrulhas e monitoramento.

De acordo com o ministro da Justiça, Flávio Dino, o programa será custeado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, na tentativa de fortalecer os órgãos de segurança pública para atuar nas escolas com ações preventivas e investigação de possíveis crimes, incluindo na internet. Os municípios devem apresentar projetos ou laudos sobre os trabalhos para participar do edital.

O número de ataques a escolas disparou. Um estudo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) mostra que pelo menos 23 atentados de violência extrema aconteceram em instituições de ensino no país desde o primeiro caso, em 2002. Mais da metade foi registrada de 2017 para cá. Isso sem falar nas inúmeras ameaças de atentados que não chegaram a ser concretizadas.

Não dá para falar sobre o aumento no número de ataques a escolas sem considerar o contexto em que eles estão acontecendo. “Para entender isso, é inevitável a gente olhar para tudo o que antecede esse ano de 2023. A última eleição mostrou que temos uma sociedade partida, mas a gente tem vivido um processo que não é de agora e que começou muito antes disso. Nos últimos anos, a gente viu a ascensão de um discurso violento, autoritário, ultraconservador e fascista”, analisou a pesquisadora nas áreas de sociologia da educação e sociologia da violência, Marcele Frossard, assessora de políticas sociais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em entrevista à revista Crescer. Para Marcele, não é por acaso que os ataques estejam mais frequentes e que as escolas sejam o espaço escolhido para essas investidas violentas. “Por que esses atentados não acontecem em shoppings, por exemplo, ou em outros espaços públicos? Isso não é uma coincidência ou um fruto de uma escolha aleatória, porque essa não é uma violência na escola, mas, sim, uma violência à escola. Isso está relacionado ao ódio a minorias e essa aproximação de teorias ideológicas fascistas e nazistas. As escolas são ambientes amplamente democráticos e espaços com grande diversidade. Atentar contra elas também é uma forma de atentar contra a democracia”, explicou.

Famílias vão à sessão da Câmara de Guará pedir apoio a vereadores para garantir a segurança nas escolas (Foto: Fabiana Cugolo)

Famílias cobram a Câmara de Guará por apoio às escolas

Diante de ataques a escolas em diversas partes do país e as recentes ameaças e fake news espalhadas na região durante a semana, um grupo de pais e mães estiveram presentes na última sessão de Câmara em Guaratinguetá, realizada na quarta-feira (12), reivindicando ajuda dos vereadores em relação à segurança nas escolas.

Membros da Polícia Militar, como o comandante da 2ª Companhia de Polícia Militar do 23º BPMI (Batalhão de Polícia Militar do Interior), o capitão Wagner Guimarães, também participaram da sessão.

Um dos presentes entre o grupo de pais e mães que foram até a sessão, foi o gerente comercial Thiago de Oliveira Santos, de 31 anos, que é padrasto de duas crianças que estudam na rede municipal de ensino. “Eles estudam no bairro Santa Luzia, em uma escola pública, um está cursando o 1º ano e outro está na pré-escola ainda. Ontem (11), eles não foram para a escola, hoje (12), já foram. A mãe deles ficou um pouco mais calma em questão das histórias que estão sendo contadas não só em Guaratinguetá, mas em outras cidades do Vale do Paraíba”, relatou à reportagem do Atos. “O que me trouxe aqui hoje na Câmara foi essa questão da segurança, que é necessária, independentemente da quantidade de fake news que estão sendo jogadas na internet”, frisou Santos.

A proposta das famílias é saber dos parlamentares se é possível atuar com maior segurança, com apoio policial ou com um vigilante, na entrada e na saída das escolas. “Infelizmente, nós abrimos um jornal ou assistir TV para ver uma notícia, e cada vez mais tem escolas que estão acontecendo isso”, lembrou a auxiliar administrativa Edmara Aparecida dos Santos Alves, de 36 anos.

Com a movimentação de pais na cidade, pelas redes sociais e nas escolas, em relação ao tema, a Câmara de Guaratinguetá anunciou que está marcada para a próxima terça-feira (18), a partir das 19h, uma audiência pública sobre a segurança nas escolas do município. A audiência deve contar com autoridades do judiciário, policiais e da educação municipal e estadual.

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