Dependentes químicos voltam à rodoviária de Lorena, dias após operação de retirada

Grupo rejeita atendimento social e segue no local; uso de drogas é um dos grandes obstáculos

Francisco Assis
Lucas Barbosa
Lorena

Um trabalho que mais parece ser de “secar gelo”. Essa é a tarefa que a Prefeitura de Lorena vem enfrentando para tentar solucionar a situação de dependentes químicos agrupados próximo à rodoviária da cidade. Poucos dias depois de serem retirados do local, eles voltaram, reabriram um buraco no muro, que havia sido fechado pela administração municipal, e seguem o cotidiano de álcool, crack, esmolas e do fracasso do sistema, que não consegue solucionar a questão.

Sob o sol das 14h, um casal se reveza com uma garrafa de plástico na mão, com ainda poucos goles de cachaça. A mulher, com roupas sujas, cantava “Ronda”, de Paulo Vanzolini, que ficou famosa nas vozes de Nelson Gonçalves, Maria Bethânia, Inezita Barroso e Márcia. Versos como “De noite eu rondo a cidade, a te procurar, sem encontrar…” se confundem entre a música e a realidade de quem já não sabe se ainda tem um lar, mas que reluta em aceitar um abrigo público.

Se a fragilidade do sistema social brasileiro tem vários exemplos nas capitais, a rodoviária de Lorena é um espelho das dificuldades no trabalho de assistência da região.

O local passou a ser centro de dependentes químicos que perambulam usando vários tipos de drogas, álcool, e abordando passageiros, funcionários ou quem apenas passa pela região para pedir dinheiro. A qualquer horário do dia é possível se deparar com um grupo próximo ao muro que foi aberto pelos próprios dependentes.

Do outro lado do muro eles escondem a droga em meio ao mato, um esconderijo que se assemelha a um ninho, com roupas, garrafas, papelotes e lixo.

O problema foi tema de várias matérias no Jornal Atos, a última, publicada no dia 18, mostrando a cobrança de quem enfrenta o problema diariamente na rodoviária. Casos como a de uma jovem de 24 anos, ameaçada por um homem com uma faca na rodoviária, enquanto esperava por um ônibus, em abril.

Na última semana, uma força-tarefa com policiais militares, guardas municipais e agentes da Assistência Social, realizou um trabalho para retirar as pessoas do local.

A ideia é fiscalizar a ação de criminosos, combatendo o tráfico de drogas e dar assistência a quem vive no lugar. O trabalho fechou o buraco no muro, para evitar o acesso ao terreno, onde eles escondem as drogas.

“A maioria dos moradores de rua tem algum envolvimento com drogas e problemas na Justiça. Essa triagem, feita com o apoio da PM, é importante para garantirmos a segurança da população”, comentou o secretário de Segurança, Capitão Elton, durante a operação. Ele prometeu intensificar o patrulhamento em outras áreas da cidade.

Já a Assistência e Desenvolvimento Social mantêm a estratégia das “buscas ativas”, orientando os dependentes a procurar pelo Centro de Atendimento Psicossocial ou a Casa da Acolhida, centro de atendimento no bairro Vila Cida, para acompanhamento e tratamento.

Mas poucos dias depois, o cenário era o mesmo do anterior à operação. Na noite da última sexta-feira, o buraco no muro já estava reaberto. O grupo de pessoas mais uma vez se reuniu e não pensa em deixar a área tão cedo.

Não se dizem moradores de rua, já que a maior parte deles tem casa, mas continuam nas ruas, atraídos pelas drogas. “Eu tenho casa, estou fora há uns 18 dias. O pessoal daqui? Tudo tem casa, mas fica pra usar nossa drogas e beber cachaça. Mas não é a gente que fica roubando os outros aqui. Só que eles (polícia) acha que é, né (sic)”, contou “E”, um rapaz de 29 anos, que pediu para não ser identificado.

“E” disse que sua história é parecida com a dos colegas. O grupo, por volta de dez pessoas, compartilha comida e principalmente bebida. Enquanto a reportagem falava com “E”, outros dividiam um vasilhame de comida. “Tem que ‘comê’. ‘Ficá’ só bebendo mata (sic)”, brincou um deles.

O diretor de Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), João Bosco da Silva contou que a Prefeitura criou um sistema de atendimento em rede na busca de uma solução. “Esse trabalho envolve funcionários do Creas, a Guarda Municipal, secretaria de Obras e a equipe de saúde. Constantemente realizamos abordagens para falarmos sobre a Casa da Acolhida, onde eles podem comer, dormir, tomar banho, mas infelizmente a maioria não quer nem papo conosco”, contou.

Ele reforçou a situação de que a maioria possui casa e família, mas ficam no local devido à “vontade desenfreada de consumir bebidas alcoólicas, alguns até mesmo para usarem drogas”. “A aglomeração ali na rodoviária se deve ao fato de constantemente ter pessoas com dinheiro circulando”, analisou Silva.

Para tentar reverter a realidade, o Creas realiza busca em todo o município, cadastrando os moradores de rua. “O ideal para atender estas pessoas na rodoviária, seria um Caps AD (Centro de Apoio Psicossocial para Álcool e Drogas), mas sabemos que a instalação de um centro deste não ocorre de um dia para outro”.

A CRISE EM TRÊS TEMPOS…

Moradores de Rua (1)
Homem pula o muro após prefeitura ter fechado buraco na quinta-feira (Foto: Lucas Barbosa)
Moradores de Rua (4)
Passagem que dá acesso a loteamento amanhece reaberta na sexta-feira (Foto: Francisco Assis)
Moradores de Rua (10)
Visão do buraco para estacionamento foca dependentes reunidos (Foto: Francisco Assis)
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Um comentário em “Dependentes químicos voltam à rodoviária de Lorena, dias após operação de retirada

  • 3 de agosto de 2015 em 22:35
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    Eu moro no bairro Olaria e no transito para o trabalho sempre os vejo. As vezes abordam, as vezes xingam, as vezes estão cantando, conversando entre eles e até já presenciei brigas do grupo. Não sei qual foi efetivamente a abordagem nessa recolhida. Os levaram para a casa de acolhida? É notório que aquilo é nocivo pra eles e para os transeuntes que por ali passam. Eu não me sinto segura levando meu filho na escola e tendo que passar por eles. Certa vez tive que acelerar o ritmo pois dois deles estavam brigando se ameaçando com uma garrafa.

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