Projeto a longo prazo afasta AGC da crise

Após anunciar nova planta de R$ 750 milhões, multinacional mantém foco no pós-turbulência econômica

Funcionários especificam qualidade do vidro produzido na fábrica; linha terá ampliação de 140% após inauguração de nova planta em Guará (Foto: Divulgação / AGC)
Funcionários especificam qualidade do vidro produzido na fábrica; linha terá ampliação de 140% após inauguração de nova planta em Guará (Foto: Divulgação / AGC)

Da Redação
Guaratinguetá

“Não escolha o que é fácil, confronte as dificuldades”. A frase que pode parecer batida, fora de contesto, é quase um mantra entre as paredes do complexo da unidade brasileira da fabricante de vidros AGC (Asahi Glass Company), em Guaratinguetá. O autor da sentença é o empresário japonês Toshiya Iwasaki, criador da multinacional, em 1907. Quase 110 anos depois, a frase retrata bem o espirito da empresa, que parece seguir na direção contrária do pessimismo do cenário nacional, após anunciar a instalação de sua segunda planta na cidade, em meio à crise econômica.

Há cinco anos no mercado brasileiro, a AGC mantém sua planta, que conta hoje com três processos de produção, com capacidade de 600 toneladas por dia, atendendo aos setores de construção civil, decoração e automotivo, com marcas como Toyota, Fiat, Honda e Nissan. Os clientes da unidade extrapolaram as fronteiras, com transformadores e distribuidores no Paraguai, Bolívia, Colômbia, Uruguai e Argentina.

Com prognóstico de evolução, a multinacional virou a “menina dos olhos” na economia regional. A planta em Guaratinguetá recebeu investimento de R$ 1 bilhão, valor que foi ampliado, com o aporte de R$ 750 milhões na nova planta, anunciada em abril, que vai ampliar em 140% a produção de vidros para a construção civil, saltando para 1.450 toneladas diárias. A expectativa entre os investidores é de que a planta passe a produzir em 2018.
O anúncio vai na direção contrária ao fluxo de investimento no País, que sofre demandada de empresas estrangeiras e o aumento do desemprego, que bateu a casa dos 11 milhões. De acordo com levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somente no Estado de São Paulo, o desemprego chegou aos 12% no primeiro trimestre.

Na região, as cidades tentam equilibrar os números que tiveram um 2015 de queda livre, puxado pela baixa na indústria, com destaque para as demissões no setor automobilístico e de aço (somente a Maxion de Cruzeiro dispensou 860 funcionários no último ano).

Este é o cenário enfrentado também pela AGC. De acordo com o CEO da multinacional no Brasil, Davide Cappellino, a empresa sofre os efeitos da crise, como qualquer outra, mas não muda o foco de projetar o futuro. “Estamos nos preparando para atender quando a crise passar”.

Líder mundial na produção de vidro plano para a indústria da construção, a AGC não revela os números de faturamento na unidade de Guaratinguetá. Com sede em Tóquio, a multinacional registrou faturamento mundial de US$ 12 bilhões no ano passado, o que garante respaldo para a missão brasileira de Cappellino, detalhada em entrevista ao Jornal Atos.

Davide Cappellino destacou otimismo em meio à baixa no mercado (Foto: Lucas Barbosa)
Davide Cappellino destacou otimismo em meio à baixa no mercado (Foto: Lucas Barbosa)

Jornal Atos – Quando lançou seu projeto em Guaratinguetá, a AGC encontrou um país diferente do que hoje enfrenta uma das maiores crises econômicas e políticas da história. De que forma a empresa tem trabalhado para manter a produção estável e ampliar sua estrutura?
Davide Cappellino – Certamente, estamos sofrendo como as demais empresas, principalmente no setor automotivo. O mercado de construção civil também está sofrendo, mas estamos nos posicionando bem, com uma boa imagem, produtos de qualidade e um atendimento ótimo. Então, apesar da situação complicada de mercado, estamos nos defendendo bem, obtendo bons resultados. Há dois anos trabalhamos com toda a capacidade de produção da empresa. O segredo, talvez, é sempre olhar além da crise, pois enxergamos que apesar da situação política complicada, o Brasil tem totais condições de num futuro próximo se equilibrar economicamente, o que consequentemente vai gerar um maior consumo interno. Estamos nos preparando para atender quando a crise passar. Construir uma fábrica dessas é uma responsabilidade enorme, mas estamos trabalhando agora, em 2016, projetando 2019, quando acreditamos que a situação seja melhor no Brasil. Por isso aplicamos essa filosofia de melhorar continuamente no processo com ajuda dos funcionários.

Atos – Até porque não é uma pequena ampliação. Vocês vão dobrar a capacidade de produção.
Capellino – Sem dúvida. Vamos mais que dobrar, porque nossa capacidade que é de 600 toneladas por dia e vai saltar para 1.450 toneladas por dia, na produção que atende a construção civil.

Atos – Aquilo que é produzido hoje atende quais os mercados? Esse campo de atuação também deve ser ampliado?
Cappellino – No setor automotivo produzimos vidros para as montadoras e também para o mercado de reposição. Também vendemos vidros planos utilizados em residências e para decoração. Temos também a linha branca, onde os vidros são fornecidos para produtos como fornos e geladeiras.

Atos – Em relação a mão de obra, como a AGC trabalha a capacitação dos funcionários? Com a nova planta, qual a expectativa de contratações?
Cappellino – Temos uma projeção de aumentar o número de funcionários em duzentos postos diretos e quinhentos indiretos, até porque, além da produção, temos os fornecedores, limpeza, manutenção. Toda nossa cadeia de trabalho é feita com funcionários da AGC, mas com apoio de empresas parceiras. Obviamente, além dos empregos diretos, a nova planta contribuirá para o aumento significativo de empregos indiretos, já que necessitaremos do trabalho de transportadoras, equipes de limpeza, segurança e diversas outras funções terceirizadas. Sobre a qualificação na AGC, diversos funcionários entraram como estagiários ou outros cargos considerados menores, e atualmente desempenham papeis de liderança e destaque. Buscamos sempre dar oportunidade para que nossos colaboradores consigam crescer dentro da empresa.

Atos – Boa parte das empresas da região vem realizando demissões em massa devido à crise econômica. Esse momento regional afeta de alguma forma o processo da AGC?
Cappellino – Ao contrário de outras empresas dos mais diversos segmentos, nossa produção não é voltada para o mercado regional, mas sim para o nacional, por isso somos independentes da economia regional. Naturalmente o cenário econômico brasileiro acaba atrapalhando um pouco o consumo, por isso estamos investindo na exportação. Atualmente vendemos uma boa quantidade de produtos a outros países sul-americanos como Colômbia, Paraguai e Uruguai, além de começarmos na Argentina.

Atos – Além da situação geográfica, a região é atraente à AGC por quê?
Cappellino – Guaratinguetá está localizada num ponto estratégico, em meio ao triângulo industrial brasileiro, o eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Minas Gerais, onde está concentrado a maior parte do nosso mercado. Além disso é uma região que não enfrenta problemas no abastecimento de energia elétrica e de gás, que no nosso caso são fundamentais para manter a produção, além do relacionamento com as comunidades e autoridades locais. Quase que 90% dos nossos funcionários são de Guaratinguetá e Lorena, contribuem muito para o crescimento da empresa. Por isso tudo estamos muito satisfeitos com nossa escolha.

Cappellino (à esquerda) e o diretor financeiro Fábio Oliveira; diretoria projeta atuação no Brasil pós-crise (Foto: Lucas Barbosa)
Cappellino (à esquerda) e o diretor financeiro Fábio Oliveira; diretoria projeta atuação no Brasil pós-crise (Foto: Lucas Barbosa)

(Trecho respondido pelo diretor chefe financeiro e de serviços Fábio Oliveira)
Atos – Com relação aos funcionários, a AGC trabalha qualificação de que forma?
Fábio Oliveira – Identificamos mão de obra qualificada e abrimos parcerias com o Senai. Todas são muito bem treinadas e os melhores são aproveitados. No primeiro estágio, além da qualificação, há o treinamento interno. Hoje eles não são mais mandados para o exterior, pois aqui já temos mão de obra qualificada. Grande investimento parceria para formar gestores para atender a necessidade. Tem gente que entrou como ajudante e hoje é líder de produção.

Atos – Quais projetos de responsabilidade social a AGC desenvolve?
Cappellino – São duas parcerias que focam desenvolvimento com crianças. São parcerias para projetos em Guaratinguetá. Contribuímos anualmente com cerca de R$500 mil com o Instituto Ayrton Senna. Eles ajudam professores, diretores e gestores de educação de escolas públicas de Guaratinguetá a se capacitarem para melhor atender os alunos. Através destes planos de formação, os educadores ficam ainda mais aptos a desempenharem papéis que elevam a qualidade do ensino. Resultados apontam que houve diminuição de abandono e retardo escolar nos colégios que recebem o projeto apoiado pela AGC. Com isso estamos acompanhando os indicadores educacionais e notamos a redução no retardo da educação, pois os professores são treinados a focar nas crianças que estão com dificuldades, para evitar que elas percam o ano. Isso antes era normal, as crianças perdiam ano, deixavam a escola, mas com esses projetos estamos mudando isso. Também contribuímos com a Casa Betânia, que desenvolve aulas de capacitação como informática, inglês e outras situações a jovens carentes do município e região. A ideia é ajudar crianças a achar um espaço para se desenvolver e tirar-los das áreas de risco, fazendo coisas reais para qualificá-los para a vida. Queremos uma ação estrutural, ajudando as crianças e melhorando o sistema de escola pública. Essa é uma filosofia da AGC, pois nossa responsabilidade vai além do âmbito econômico.

Atos – Você disse que a AGC sofre com a crise, como toda indústria, mas a proposta de investir neste momento faz com que a empresa atue numa bolha, à margem da baixa que deve fazer mais vítimas no setor?
Cappellino – Não acredito que seja uma bolha. Estamos sofrendo com o mercado, com problemas que outras empresas também sofrem, mas não podemos esquecer que depois de um 2016 ruimw e um possível 2017 ruim, teremos 2018, 2019 e por aí. Temos que trabalhar a longo prazo, focando investimentos enormes de uma fábrica que não para, com fornos que nunca desligam. Temos investimentos de dezenas de anos. Temos que manter uma reserva dessa empresa sólida, que tem retorno. Estamos perdendo dinheiro também, mas não é uma razão para sentar e chorar sobre o presente, mas sim enfrentar a situação difícil do mercado e ser realistas, cuidando dos custos, das pessoas, defendendo os valores e de olho na competitividade. Não projetamos 2016, mas sim o Brasil de 2020, 2025 ou 2030.

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