Na crise sem fim, Santa Casa de Cruzeiro investiga mortes

Pacientes aguardam até cinco horas antes de voltar para casa sem atendimento

Falta de médicos e estrutura aumenta tempo de espera na Santa Casa; funcionários protestam contra estrutura precária (Francisco Assis)
Falta de médicos e estrutura aumenta tempo de espera na Santa Casa; funcionários protestam contra estrutura precária (Francisco Assis)

Francisco Assis
Lucas Barbosa
Cruzeiro

A angústia da espera e da falta de segurança na recuperação têm sido as únicas certezas de quem precisa do atendimento na Santa Casa de Cruzeiro. O hospital é o epicentro da crise da rede pública regional e acumula greves, protestos e até mesmo acusações de negligência em caso de mortes de pacientes.
Responsável pelo atendimento de referência para o Vale Histórico, a Santa Casa cruzeirense se tornou uma central de espera para quem busca ajuda médica. As duas portas do serviço de Pronto Socorro passam o dia com pacientes e familiares, que passam horas esperando. Na terça-feira, um dos que aguardava um raro atendimento foi o fotografo Giovane Oliveira, 22 anos.
Ele contou que essa era a quinta vez que foi até à Santa Casa, em busca de atendimento para seu pai, de 60 anos. “Meu pai está com problema sério de coluna. É muita dificuldade para conseguir atendimento. Ele tem dores e precisa de ortopedista, mas nem o de urgência estamos conseguindo. Já viemos aqui cinco vezes nos últimos dias e sabemos que tem gente em situação pior”.
Morador da Vila Romana, Oliveira não sabe se iria conseguir médico para o pai. “Essa situação é horrível. É ruim depender disso, porque a gente não tem como pagar um plano de saúde. Eles deveriam tratar da gente, mas ficamos na mão. É muita falta de respeito, de atenção”.
Na outra porta de emergência, a dona de casa Roselene Aparecida dos Santos, 43 anos, esperava sentada em uma mureta por notícias do filho de 15 anos, também prejudicado pela falta de estrutura. “Ele as vezes tem convulsão e outros tipos de surtos. Faz tratamento há cinco anos em Campinas, mas desde o final do ano passado estamos tendo problema. Ele já perdeu três sessões do tratamento por falta de transporte da Prefeitura. Fui atrás pra saber o que estava acontecendo, mas eles responderam simplesmente que o carro estava quebrado”, lamentou. “Estou muito preocupada de acontecer alguma coisa com o meu filho. A saúde está abandonada”.
Um funcionário do hospital, que pediu para não ser identificado, com medo de represálias relatou que a própria equipe de atendimento se sente mal com o dia a dia no atendimento. “A população vem, fica de quatro a cinco horas esperando, até ir embora. Só em caso de emergência, em último grau para conseguir o atendimento. Fica esse jogo de empurra-empurra e ninguém se responsabiliza e a população que sofre”.
O hospital estaria atendendo atualmente com dois clínicos, um médico de emergência, um de apoio pediatra, um emergencista, um ortopedista (que atenderia às terças e quintas-feiras).
Na última semana, as mortes de duas pacientes voltaram a colocar em xeque o atendimento. Funcionários da própria Santa Casa denunciaram que pelo menos um dos casos, o da aposentada Maria Cruz, 81 anos, teria sido causado por problemas no equipamento de oxigênio. A notícia ganhou projeção na cidade e a Prefeitura chegou a afirmar que a idosa já havia dado entrada no hospital em “estado gravíssimo” com traumatismo craniano após ter sido atropelada por uma moto na Vila Crispim, mas que foi agravado em razão de sua idade avançada.
A informação foi negada por um parente de Maria Cruz. Sem querer se identificar, ele disse que a paciente não encontrou atendimento ideal no hospital. “O profissional que a atendeu não deu muita atenção para o caso. No outro dia, ela teve uma parada cardíaca pela madrugada. Não tinham a entubado, estava com a testa amassada. Abriram ela e depois que chamaram o ortopedista. Quando levaram ela pra emergência, estava bem grave. Isso que estava debilitada é mentira”, criticou. “Quando ela teve uma outra parada, faltou oxigênio por falta de manutenção. Foi isso que aconteceu”.
Um médico que faz parte da equipe da Santa Casa contou que a queda de oxigênio durou mais de sete horas no hospital. “Primeiro foi sentida na UTI e depois chegou ao Pronto Socorro”, revelou.
Sem oxigênio na emergência, pacientes com paradas cardíacas teriam encontrado dificuldade para serem socorridos. “A paciente com traumatismo, a Maria Cruz, tem paradas cardíacas e traumatismo craniano”, lembrou o médico.
Outra paciente que teve a morte questionada foi a da paciente Maria José da Silva, 90 anos, que faleceu no último dia 15.De acordo com funcionários, ela também teria sido vítima da falta de oxigênio.
Ainda na semana das duas mortes, a Prefeitura emitiu uma nota afirmando que o hospital abriu um processo administrativo disciplinar para apurar não apenas a causa das mortes, como a divulgação de “informações distorcidas por parte de funcionários da unidade de saúde que podem denegrir a imagem da instituição e incentivar repúdio da opinião pública”.
A Prefeitura seguiu a resposta frisando que “os responsáveis por tais atos, caso não tenham como comprovar, serão duramente responsabilizados, conforme a legislação vigente”.
Em mais um contato da reportagem, o Jornal Atos foi informado pela Prefeitura que, até esta quarta-feira, “não há evidências que liguem o falecimento de pacientes com a falta de oxigênio, muito menos que tenha havido algum procedimento falho”.
A interventora do Hospital, Maurian Beatriz Triches, colheu o depoimento de toda equipe médica e de enfermagem que trabalhou nos dias do atendimento. Um relatório com as informações das oitivas foi encaminhado para o departamento jurídico da Prefeitura e para o Conselho de Ética Médica do Hospital, para sindicância interna. As equipes de manutenção, compras e recepção também serão ouvidas.

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